04 julho 2013

Obras-primas ao alcance dos olhos

Para subir as escadas do Edifício Santo Antônio, que fica cravado no centro da cidade do Recife, é preciso antes empurrar uma porta muito larga. A porta é, olhando com mais atenção, uma desconcertante escultura, feita com fios de cobre pelo artista plástico Corbiniano Lins. Mais alguns passos, e uma escada vazada nos leva a querer espiar o teto do edifício através do térreo. Tons de verde, azul, vermelho e andares intermediários fazem uma elipse impensável. No elevador, lê-se nos botões que parecem saídos de um roteiro de Charlie Kaufman: 1/2 e 3/4. O transeunte é sempre convidado a passear pelas escadas para cima ou para baixo. O prédio envolve quem o utiliza, e não é só uma experiência retiniana, do belo. O projeto é assinado por Acácio Gil Borsoi, arquiteto carioca que chegou em 1951 ao Recife e construiu os melhores exemplares da arquitetura moderna da cidade. 

A profusão de detalhes da construção revela uma certeza escondida do olhar cotidiano: a riqueza artística estampada nos edifícios do Recife. Um patrimônio de contemplação ao alcance de todos. O encontro da arquitetura e do design amarrado pelo tempo. Segundo Gentil Porto Filho, arquiteto e professor do Departamento de Design da UFPE, a arquitetura e o design são espécies de artes aplicadas. “A beleza ou arte está associada ao modo como funciona. Não pode ser vista de forma abstrata em relação ao contexto no qual está inserida”, defende. “Nesse caso, o que precisamos ver é a beleza desse funcionamento. Arte em efervescência de uso, com atores sociais concretos”, completa. 

O Santo Antônio e mais outros tantos projetos arquitetônicos da cidade são carregados de elementos artísticos. Embora a experiência da cidade e das construções insensíveis ao espaço urbano inviabilizem apreciar a arquitetura. “Estamos sempre dentro de um carro, um ônibus ou um táxi, e somos bombardeados por todo tipo de publicidade. Há uma tese, não muito ortodoxa, que diz que a arquitetura submergiu”, diz Gentil. O fato é que a “arquitetura submersa” do Recife é riquíssima e pode valer uma experiência imperdível para o cidadão atento.

Professora do Departamento de Arquitetura da UFPE e conhecedora do acervo recifense, Guilah Naslavsky é capaz de citar de memória, rapidamente, uma lista longa de edificações na cidade que podem ser consideradas obras-primas. Os prédios públicos da Sudene, da Celpe e da Secretaria da Fazenda. Os edifícios Santa Rita, Barão de Rio Branco, Cinema São Luiz, Baraúna, Miragem, Oásis, União, Gropius, Portinari, Califórnia, Acaiaca, Pirapama, Caetés, Valfrido Antunes. Falta fôlego para enumerar. “Recife é uma cidade arquitetonicamente muito rica. Temos exemplares de todas as épocas. O trecho de Santo Antônio e São José, por exemplo, é muito interessante”. Alguns edifícios, sobretudo os de uso misto (que aliam moradia e comércio) são, diz Gentil, capazes de aliar inspiração, funcionamento e subsidiar a qualidade de vida da cidade.

“Qualquer um pode desligar o rádio e abandonar os concertos, não gostar de cinema e de teatro e não ler um livro, mas ninguém pode fechar os olhos diante das construções que constituem o palco da vida na cidade e trazem a marca do homem no campo e na paisagem”, escreve o italiano Bruno Zevi, em Saber ver a arquitetura, de 1984. As pessoas podem até estar insensíveis à arquitetura, mas as edificações entram na vida do homem de maneira implacável e, com sorte, complexamente bela.

1- Edifício Santo Antônio

Construído como prédio comercial para a Ordem Terceira de S. Francisco, convive com o Convento Franciscano tombado pelo Patrimônio Histórico. A maior inovação do prédio está no interior: a bela escada vazada é obrigatória, pois os elevadores param em patamares curvos intermediários. A dinâmica do espaço interno, marcado pela volumetria da escada, é coroada pelas claraboias. Na porta principal da entrada, há uma escultura de cobre, assinada por Corbiniano Lins.

2- Edifício Guararapes (Bancipe)

É o edifcíio do antigo Banco Comércio e Indústria de Pernambuco (Bancipe). Na fachada, painéis coloridos, brises pré-moldados em concreto, esquadrias de alumínio e vidro alternam-se numa composição abstrata de cores e espaços, de modo a evitar repetição. No bloco inferior, no térreo, na sobreloja e no coroamento, as texturas são em concreto aparente rústico.

3- Prédio da Sudene

Esse prédio inaugurado em 1974 é centrado em elementos construtivos e, mais especialmente, na pré-fabricação em concreto. A fachada poente é composta por painéis vazados, encaixados, semelhantes a combogós. Destaque para as cerâmicas artesanais de Francisco Brennad. No pavimento de entrada principal, as marquises planas com recortes curvos ligam as duas lâminas e formam passeios cobertos.

4- Secretaria da Fazenda

Esse prédio marcou a afirmação da linguagem arquitetônica moderna como linguagem oficial. No seu interior encontramos painéis com desenhos abstratos de Cícero Dias, localizados no hall principal, mezanino e auditório, bem como o moderno mobiliário desenhado por um projetista norte-americano.

5- Edifício Barão de Rio Branco

Nesse edifício, premiado pelo Instituto de Arquitetos em 1969, os materiais correspondem ao papel desempenhado por cada elemento da edificação, permitindo uma “leitura estruturalista”. O concreto de estruturas, vigas e pilares é deixado aparente (béton brut). O azulejo do passado tradicional português, agora em novos e modernos padrões abstratos, revestem as “áreas de permanência secundária”

6- Edifício Califórnia

Situado numa esquina com ampla vista para o mar e na frente da Praça do Segundo Jardim, esse edifício foi projetado para uso comercial e residencial. Digno de atenção é o elegante contraste dos volumes: um, predominantemente horizontal; o outro com a torre hexagonal de quinze pavimentos de apartamentos.

7- Edifício da Celpe

Espelhos d’água, amplos jardins do paisagista Burle Marx, com escultura de Corbiniano Lins. Com tendências brutalistas dos anos 1960, teve parte em concreto armado e componentes pré-moldados e montados no local. É tombado pela prefeitura como Imóvel Especial de Preservação.

8- Edifício Mirage

É uma composição de múltiplos volumes. Nas fachadas, os elementos são tratados um a um, por preocupação com o clima e a estética. O tijolo e o concreto aparente dão expressividade à construção. O projeto tem estreitas relações com a arquitetura pós- 2ª Guerra Mundial.
Para ver de perto

O Viver elaborou um roteiro para você contemplar os edifícios.

1 - Edifício Santo Antônio

O projeto é de Acácio Gil Borsoi, 1960. Fica situado na Avenida Dantas Barreto, 324, no Centro.

2 - Edifício Guararapes (Bancipe)

O edifício do antigo Bancipe tem projeto de Acácio Gil Borsoi e Vital Pessoa de Melo, 1936. Fica na Avenida Dantas Barreto, 498, no Centro

3 - Prédio da Sudene

O prédio de 1974 tem anteprojeto de Glauco Campello e equipe (1967). O projeto é de Maurício Castro. Fica na Praça Ministro João Gonçalves de Souza, na Várzea.

4 - Secretaria da Fazenda

Afirmação da linguagem arquitetônica moderna, tem projeto de Fernando Saturnino de Brito, de 1939. Está localizado na Praça da República, bairro de Santo Antônio.

5 - Edifício Barão e Rio Branco

Marcante pelo concreto de estruturas, vigas e pilares, tem projeto de Delfim Amorim e Heitor Maia Neto, de 1966. Fica situado na Rua Giriquiti, 205, no bairro de Santo Antônio.

6 - Edifício Califórnia

O prédio projetado para uso comercial e residencial tem projeto de Acácio Gil, Borsoi, de 1953. Está na Rua Arthur Muniz, 82, em Boa Viagem.

7 - Edifício da Celpe

A edificação tombada pela prefeitura tem projeto de Vital Pessôa de Melo e Reginaldo Esteves, de 1970. Está na Avenida João de Barros, 111, Boa Vista.

8 -Edifício Mirage

Prédio tem projeto que flerta com a arquitetura pós- 2ª Guerra Mundial. O projeto é de Acácio Gil Borsoi, de 1967. Fica na Rua dos Navegantes, 917, em Boa Viagem.


Fonte: Diário de Pernambuco